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ECONOMIA

"As Reformas e as Privatizações" (*)

2015-01-28 | Sérgio Silva Monteiro

Fazendo um bocadinho de história e recuando até três anos e meio atrás, nós tínhamos pela frente a execução de um programa que era ambicioso do ponto de vista de objectivos e a ambição do programa serviu, se quiserem, de bússola, de norte, com as necessárias adaptações, àquilo que era a acção do próprio governo. No que diz respeito às reformas estruturais, tínhamos um calendário apertado, tínhamos muitas coisas pela frente. Eu não sei se têm consciência mas a secretaria de estado que eu tenho a responsabilidade de moderar tinha cerca de dez por cento do total das medidas que estavam previstas no memorando de entendimento, directa ou indirectamente. O que significa que havia um peso muito grande na nossa tutela, daquilo que fosse o sucesso ou insucesso do programa de ajustamento. Há tutelas mais sexy que outras, é mesmo assim. Nós temos a responsabilidade de pagar as dívidas que nos foram deixadas.

Eu tenho uma história que costumo contar, o motorista que normalmente me dá apoio, dizia-me numa determinada altura do mandato, que eu certamente que terminaria o mandato com pena de não fazer nenhuma inauguração porque é o governo tem esta tutela, que é sempre um sonho, é deixar o seu nome nalguma placa, nalgum sítio, nalguma inauguração. Mas eu tive muito claro desde início, quando aceitei o convite que me foi formulado para fazer parte do governo, que a nossa obra era pagar a obra dos outros e projectar um Portugal diferente do ponto de vista de planeamento e gestão, seja das expectativas das populações, nós nunca nos podemos esquecer que em termos de governo que a nossa responsabilidade é gerir a vida através das nossas decisões de milhões de pessoas e por isso temos de ser muito realistas nas expectativas que criamos, caso contrário essas expectativas depois não se transformam em realidade, e enquanto tutela directa e enquanto governo, pagaremos um preço muito elevado se não conseguirmos responder a essas mesmas expectativas.

Começando numa área que no início do mandato se chamou obras públicas e agora nós decidimos, num ciclo mais virtuoso, chamar-lhe infra-estruturas, queria dar-vos conta de que o principal objectivo que tivemos quando chegámos ao governo foi de reduzir imediatamente o impacto que as decisões anteriores tinham na consolidação orçamental. Nós aliás aqui na mesa recordávamos, como estava o planeamento do ponto de vista de calendário dos pagamentos das obras que tinham sido já lançadas num caso, outras até já concretizadas. Todas as concessões que foram assinadas entre 2008 e 2011 tinham previsto que o pagamento seria iniciado em 2014, ou seja, naquilo que era à data previsivelmente o início de uma nova legislatura. Havia quatro anos em que não havia encargos nenhuns e na legislatura que, se tudo tivesse corrido como o governo anterior desejava, começava em 2014, então aí sim haveria o início dos pagamentos. E, portanto, nós tomámos uma decisão, que passou relativamente despercebida na altura, que foi parar toda e qualquer obra que estivesse em execução em Portugal. Má noticia para o sector da construção, má noticia para todos aqueles que tinham em Portugal um peso grande e eu lembro-me, os grandes presidentes, os presidentes das grandes construtoras, já se vieram lamentar vezes sem conta ao meu gabinete, ao gabinete do ministro Pires Lima agora, dizendo "Bom, Portugal já representou sessenta por cento do nosso volume de negócios, nesta altura representa cinco ou dez por cento". E eu e o António Pires Lima olhamos um para o outro e dizemos "Prova superada" porque é aquilo que nós queremos, não queremos que essas empresas dependam do mercado nacional, queremos que elas em Portugal continuem a dedicar atenção ao desenvolvimento do mercado, que apliquem aqui as suas competências, mas queremos verdadeiramente que elas as levem para fora. Foi o que aconteceu às grandes construtoras em Espanha, em França e não pode ser diferente em Portugal.

Depois fizemos aquilo que me parece que é a matriz de um governo que é suportado por dois partidos que têm uma marca social-democrata/democrata-cristã na abordagem que fazem das coisas, mantivemos o investimento substancial no interior e reduzimos o investimento no litoral. O que fizemos portanto foi terminar a auto-estrada transmontana nos termos em questão, terminar a auto-estrada do Douro-interior substancialmente nos termos em questão, mas depois fazer cortes severos no litoral oeste, na medida em que podemos, praticamente anulámos a concessão do baixo-Tejo, aqui bem perto, no litoral e muitas outras iniciativas; no Algarve também fizemos uma redução significativa de objectos e uma série de outras, que mostram bem que há uma diferença importante entre a retórica de que nós protegemos o lado mais forte do país e desprotegemos o lado mais fraco e a realidade. Essa decisão tem para os Portugueses um impacto que ronda os sete mil milhões de euros de redução de encargos no futuro, uma decisão que passou despercebida, que foi tomada nos primeiros dois meses do nosso mandato e que poupa em encargos objectivos. Uma estrada que não se faz "em algures", e nós dizemos aquilo não é investimento, é despesa porque a estrada verdadeiramente não aproveitava a ninguém. Portanto eram recursos que se despejavam na economia, que não tinham qualquer retorno do ponto de vista económico. E, portanto, poupámos aí sete mil milhões de euros de imediato, apenas por parar estas obras.

Depois de fazermos esta avaliação, entrámos num segundo ciclo de negociação, que foi os contratos que já existiam e que por um motivo ou por outro tinham espaço para ser alterados. Esta segunda fatia vale cerca de dois mil e quinhentos milhões de euros e são os contratos das ex-SCUT, como são conhecidos, têm também mais duas estradas, a concessão Norte e a concessão da grande Lisboa. No total, nós estamos a falar, portanto, de uma redução de encargos futuros, encargos brutos, que ultrapassa os nove mil milhões de euros na fatia das sub concessões assinadas entre 2008 e 2011 e na fatia das ex-SCUT.

Os nossos críticos dizem o seguinte: "Cortaram no mais fácil. Cortaram numa obra que era para se fazer e não se faz, cortaram naquilo que é mais simples, mas esqueceram-se de cortar nas taxas de rentabilidade, nos grandes grupos económicos dos lobbies e de tudo o mais.". Nós o que fizemos foi uma coisa diferente. Aliás, o tribunal de contas tinha dúvidas desta abordagem e partiu hoje connosco porque dizia que normalmente numa negociação é preciso que haja um trade-off. Isto é, que em troca da redução de investimento tenha de haver alguma coisa em troca, exactamente porque na negociação dá-se qualquer coisa para se receber alguma coisa em troca. E nós não tínhamos nada para dar, a não ser dizer-lhes a verdade. E a verdade que nós apresentámos foi a seguinte: Se nós fizermos este processo, teremos um conjunto de outras medidas de consolidação de despesa que darão estabilidade à relação contratual que existe neste momento entre o estado e os concessionários privados. Porque, e mostramos-lhe por evidência numérica, o que tinham era um contrato fictício, não no sentido jurídico do termo, mas no sentido financeiro do termo. O Estado não tinha nenhuma condição de honrar os compromissos de pagamento, não porque não quisesse mas porque simplesmente ninguém nos emprestava dinheiro para nós fazermos o devido pagamento.

Normalmente, nos negócios, como na relação com as pessoas, dizer a verdade compensa sempre. Porque essa verdade permitiu que nós tivéssemos chegado até aqui do ponto de vista de negociação e porque todo o conjunto de decisões que nós tomámos a seguir, e indo directamente para a realidade actual e dizer-vos que por exemplo uma decisão que nós tomámos que tem um impacto enorme do ponto de vista de despesa futura, consolidação das contas do estado directas, racionalização no planeamento e no investimento, no custo de manutenção, que estava planeada por nós naquela altura, prevista e agora executada é a fusão da Refer com as Estradas de Portugal. Faz parte de uma estratégia que olha para as infra-estruturas não como um fim a si mesmo, o caminho-de-ferro não existe para os amantes do caminho-de-ferro, existe para as pessoas e para as mercadorias, como as estradas não existem para as empresas de construção e existem para a economia. E por isso é que eu acho que a formulação actual do governo em termos de orgânica é muito feliz.

Ter as infra-estruturas e os transportes em economia dá-lhes a dimensão que eles devem ter. Eles não são um fim a si mesmo, a estrada é um activo, a estrada é um meio para chegar a um determinado sítio, para que os negócios se façam e para que as pessoas se encontrem, não é para as empresas de construção, nem é para a propaganda política. E esta diferença de aproximação sobre o papel das coisas enquanto meio para se atingir um fim ou um fim a si mesmo, todos se recordarão das disputas brutais que existiam no tempo do governo anterior sobre se a obra x ou obra y era importante ou não era importante, partiu-se quase um país ao meio para se discutir se uma certa obra pública era virtuosa ou não. O resultado nunca pode ser neutro, hoje nós temos um plano, o Plano Estratégico de Transportes e Infra-estruturas aprovado em Abril por ampla maioria, depois de um debate público onde não há propriamente a discussão sobre os projectos A ou B, pode haver diferenças de opinião sobre o terminal de contentores de Lisboa, mas eu diria que essa é a excepção que confirma a regra de que todo o resto do investimento é relativamente consensual. Isto mostra uma diferença de abordagem entre aquilo que era uma disputa política assumida em que a obra pública era o motor do desenvolvimento económico, e a nossa visão de que os investimentos que fazemos são sobretudo facilitadores para a vida das pessoas e das empresas. Por isso o nosso mandato no sector das infra-estruturas era muito claro: consolidar despesa, projectar o futuro planeando e procurando evitar que os mesmos erros se repetissem e ao mesmo tempo deixar o plano para o quadro comunitário de apoio que agora se inicia. Um plano que fosse realista porque tem fontes de financiamento identificadas e tem um prazo que é compatível com o prazo de execução do quadro comunitário de apoio e que ao mesmo tempo tivesse um significativo impacto económico, como acreditamos nós que venha a ter o plano estratégico.  

No sector dos transportes a história não é muito diferente. Aliás, basta ver o que os especialistas de transportes dizem das nossas decisões, dizem que "Estes senhores só se preocupam em poupar dinheiro, têm uma abordagem meramente financeira relativamente a estas matérias." Como se pagar a tempo e horas, pagar as nossas contas, seja uma abordagem diferente daquilo que deve ser a realidade do dia-a-dia. O que não podia acontecer era a situação que tínhamos em 2010 quando as empresas tinham um défice operacional superior a duzentos e cinquenta milhões de euros, isto é, sem juros, esquecendo por momentos o stock de dívida, perdiam duzentos e cinquenta milhões de euros por ano metendo o estado naquelas empresas cento e setenta milhões de euros em indeminizações compensatórias. Se tirássemos essas indeminizações compensatórias então o prejuízo era superior a quatrocentos milhões de euros por ano. Porquê? Lá está, porque a aproximação era que as empresas tinham de sobreviver por si, e o princípio e o fim da conversa eram as empresas e os seus trabalhadores e os problemas laborais e os problemas de existência da empresa e as nomeações dos conselhos de administração e o tempo estava sempre esquecido. Até as comissões de utentes eram uma extensão dos sindicatos, ou seja, ninguém se preocupava em proteger o cliente. E quando de repente nós dissemos "Precisaremos de fazer algum ajustamento mas esse ajustamento não tem impacto material relevante nos utilizadores, mas dá sustentabilidade às empresas." Eu recordo que o pacote de ajuda externa não cobria o pagamento dos PPP's nem a dívida das empresas de transportes e, nesse aspecto, o memorando de entendimento foi também muito virtuoso. Porque obrigou-nos a tomar decisões de imediato. As decisões difíceis temos de as tomar no início do mandato, e depois viver com elas e geri-las a partir daí. Seria impossível hoje subir quinze por cento o preço do transporte público e, no entanto, em Agosto de 2011 foi possível, e nós tivemos a compreensão das pessoas, estas sabiam que se tratava de uma matéria de sobrevivência das empresas. E, portanto, passámos de uma realidade de indeminizações compensatórias altas de mais de cento e cinquenta milhões de euros por ano e um défice operacional de duzentos e cinquenta milhões de euros, para a realidade de hoje que já foi a realidade do ano passado e que já foi a realidade no ano anterior em que temos superávite operacional que ronda neste momento os seis milhões de euros/ano. E 2015 será o primeiro ano em que não há indeminizações compensatórias nenhumas, ou seja, as empresas terão equilíbrio operacional, ganharão dinheiro em termos operacionais sem qualquer indeminização compensatória. Portanto, a recuperação face a 2010 é superior a quatrocentos milhões de euros. E vocês dizem: "Mas como é que se poupa quatrocentos milhões de euros? Os autocarros continuam a ser pagos, os metros e os comboios também." As pessoas esperam talvez mais quarenta segundos pelo metro em cada intervalo em horas de ponta, é verdade. Mas eu diria que entre ir à falência e esperar quarenta segundos pelo próximo metro, a decisão era óbvia, não havia era a coragem para a tomar. Nós tomámo-la e temos hoje um sector equilibrado. Aliando a isso o facto de existirem autarcas interessados em fazer a gestão das suas empresas. Elas hoje como estão equilibradas, já não é difícil, já estão substancialmente restruturadas. Agora é pegar nelas e dar-lhes o desenvolvimento normal.

No sector das comunicações fizemos aquilo que tínhamos de fazer, e já que está na actualidade o tema PT, deixem-me recordar-vos que o memorando de entendimento era absolutamente taxativo no que diz respeito à Golden Share. Dizia que no terceiro trimestre de 2011 era para eliminar as Golden Shares nomeadamente no caso da Portugal Telecom. As "chico espertices", agora aquando a discussão da PT, diziam assim "Podiam ter eliminado as Golden Share mas arranjado um para-social que substituísse a Golden Share.". Eu chamo a isto uma "chico espertice" porque o problema não é o nome Golden Share, é ter direitos especiais sem ter acções para exercer esses direitos especiais. Não é estar num para-social ou estar num Golden Share ou outra coisa qualquer, ou seja, aquilo que nós estávamos impedidos de ter era direitos especiais em quinhentas acções, como se tivéssemos a maioria do capital, isso era um problema. Depois dizem alguns "Mas outros países da Europa não têm esse problema porque continuam com Golden Shares, e Bruxelas chateia-os. ". Mais uma vez discurso pela oposição que se esquece de dizer que esses dirigentes políticos não levaram os países à banca rota. Normalmente quem está em banca rota tem menos capacidade de negociar o timing de eliminação de Golden Shares. E, portanto, é no confronto das opções que tínhamos e dos graus de liberdade que tínhamos que nós devemos debater esta matéria. E eu repito aquilo que tem sido a visão do governo sobre essa matéria: nós fizemos bem em eliminar o Golden Share porque estávamos com um processo de incumprimento e era uma obrigação do memorando de entendimento. O estado fez bem em não se imiscuir na luta e na disputa com os accionistas e que não se confundam aqueles que querem reverter a realidade das coisas dizendo "O problema foi termos privatizado a PT lá atrás". O problema foi de gestão de uma empresa privada. Muitos dos senhores e das senhoras que aqui estão certamente são gestores de empresas privadas, sabem que se tomarem más decisões de gestão a vossa empresa vai à falência. Por não ser um campeão nacional devia essa empresa devia ser resgatada ou não, é um debate que nem se faz. Se uma empresa privada vai à falência porque tem má gestão não tem o estado que a salvar só porque uns têm carinho por ela, outros têm talvez a visão de um passado mais saudosista relativamente a ela.

Nós fizemos muito bem em não nos meter nessa disputa diária, nessa "espuma dos dias", que normalmente nos leva a tomar más decisões, pedir à Caixa Geral de Depósitos para que ponha dinheiro nas empresas, pedir ao instituto da Segurança Social para que ponha dinheiro nas empresas ou então através do fundo de resolução pedir ao Novo Banco que vote desta maneira ou daquela. Nada disso corresponde à matriz de decisão deste governo. Nós acreditamos numa outra coisa: numa economia aberta, livre, competitiva, onde quem tem mérito ganha dinheiro, onde a única forma de gerar dinheiro é criando riqueza na economia. Não é atirando dinheiro para a economia, muito menos o estado atirando esse dinheiro para cima da economia. Mas, ao mesmo tempo que eliminávamos os direitos especiais, fizemos outras coisas, também profundamente diferentes da experiência que tinha havido anteriormente. Fizemos o leilão das licenças 4G e a contrapartida do leilão foi dinheiro para os cofres do estado, para a consolidação das contas públicas. Não criámos nenhuma fundação para, com o dinheiro dos contribuintes, procurar materializar contrapartidas; o dinheiro que foi enterrado nessa fundação, mais de duzentos e setenta milhões de euros na fundação das comunicações móveis, acabou por não materializar as contrapartidas, e ainda funcionar como mais uma disputa politica entre aqueles que defendiam o modelo de aproximação do estado e os que entendiam que o estado se devia afastar dessas decisões. Foi dinheiro que chegou, foram mais trezentos milhões de euros numa altura em que a discussão em 2011 se centrava em executar o programa de reajustamento e, portanto, tivemos que criar condições para que o sector das comunicações continuasse concorrencial, competitivo e que investisse dinheiro na nossa economia. Um dos pilares fundamentais deste processo, como eu disse agora, é a abertura da economia à iniciativa privada. Por vezes os deputados, nomeadamente do Bloco de Esquerda, gostam de fazer imagens mais caricaturais, dizem que eu sou o secretário de estado das privatizações. Se eu tiver de ser conhecido por isso, não me dói propriamente a cabeça. Acredito plenamente no mérito de abrir o capital das empresas, no mérito de ter uma diversificação de fontes de financiamento de economia e de criar condições para que as empresas se desenvolvam no mercado aberto e concorrencial. Se conseguirmos um encaixe elogiado, mais ou menos em tom de crítica, pelo principal líder da oposição ao dizer "Mas estes homens já privatizaram mais de oito mil milhões de euros, temos de parar por aqui, estavam só previstos cinco mil e quinhentos milhões de euros.", obrigado pelo elogio, de facto não vendemos os anéis e ficámos com os dedos, não vendemos mal nem pressionados, soubemos criar condições através dos contratos de concessão, dos acordos de parceria estratégica, de cadernos de encargos exigentes, de ter os melhores investidores a comprar os melhores activos. E, por isso, quando nós privatizamos no sector da energia, no sector da gestão de resíduos, no sector das infra-estruturas e no sector postal, das comunicações postais, nós utilizamos em cada caso um certo modelo de privatização porque era aquele que assegurava melhores resultados naquele momento. Por isso, ninguém nos vem dar lições sobre se devemos privatizar a nossa companhia aérea na bolsa ou em venda directa ou com um caderno de encargos mais ou menos exigente. Julgamos ter o atestado de competência para escolher o melhor modelo em cada momento.

Nós tivemos nas privatizações exemplos extraordinários, em momentos cruciais do processo de transformação estrutural da nossa economia, recordo-vos que a privatização da EDP, da REN e da ANA foram todas elas feitas num momento em que a grande discussão que existia era se Portugal ficava ou não no euro. Nós já nos esquecemos desse momento, ou quer a oposição que a população se esqueça dele. Mas sabemos bem que essa era a discussão que existia na altura, e quando nós vendemos a percentagem de capital da EDP a vinte e cinco por cento com um prémio de quarenta por cento face à cotação, no caso da REN um prémio de trinta por cento e, quando vendemos os aeroportos com um múltiplo de débito de dezasseis vezes os resultados de 2011, quando vendemos em 2012 com dezasseis vezes o mundo pasmou e disse "O que é que estes senhores estão a ver em Portugal que nós não vemos?". Certamente se recordam que os investidores foram muito criticados pelo preço que pagaram por estes activos e, no entanto, eles tinham razão por um motivo simples, talvez por proximidade ao país, por terem dedicado mais tempo e atenção, verificaram que o programa político era consistente com o resultado económico. Recordo-me, que depois de nós termos atingido o momento em que os índices de confiança bateram no mínimo e o desemprego no máximo, por conta da incerteza que era insistentemente instalada no país por muitos daqueles que queriam o fracasso do programa, porque lhes era conveniente politicamente, passámos a ter uma recuperação dos índices de confiança e hoje estamos em máximos de dez anos na confiança dos consumidores e no sentimento económico, demos um salto nos índices de competitividade como nunca tínhamos dado nos governos anteriores. Nós temos hoje o beneficio de todo o trabalho de abertura à economia que foi feito.

Os resultados da privatização da ANA têm sido muito contestados mediaticamente, desde dizer que nós entregamos rendas a um privado, até dizer que as subidas de preços e de taxas são uma enormidade, as críticas são as mais variadas e, portanto, nós fizemos o negócio à medida de um certo investidor. Eu queria apenas dar-vos dados e factos e convidar-vos a formular as vossas próprias opiniões e decisões. Primeiro facto: desde a decisão de privatização até agora as taxas em Lisboa subiram dezassete por cento, o facto é que não subiram trinta e três mas sim dezassete. Outro facto: em todos os outros aeroportos da rede as taxas subiram zero por cento ou desceram em termos reais. Porquê? Porque o modelo privilegia a coesão territorial e, portanto, para o Porto ter as taxas de crescimento que tem com o investimento que foi feito, que não era rentável de forma nenhuma, é importante que as taxas permaneçam baixas. E, foi isso que aconteceu, assim como em Faro, nos Açores e na Madeira que era um aeroporto que depende do turismo e tinha as taxas mais altas da Europa. Nós estamos a fazer com que as taxas desçam, este é o primeiro facto. Portanto, na rede as taxas sobem nove por cento e em Lisboa sobem dezassete para subsidiar o resto do país. Segundo facto: quanto subiu o tráfego em Lisboa? Até agora, final de 2014, porque nos dezassete por cento de aumento de taxa já estou a contar o aumento de taxa turística, que já está em vigor, portanto pode haver aqui um bocadinho de batota, mas contra o meu argumento, não a favor, até agora, subiu vinte e cinco por cento o tráfego em Lisboa. E na rede, o tráfego sobe dezassete por cento. Portanto nós temos em Lisboa subidas de dezassete nas taxas e de vinte e cinco em tráfego, no resto da rede subidas de nove em termos médios e aumento do tráfego de dezassete. Este é o grande aferidor do mérito do modelo, eu não acredito noutros. Eu acho que os modelos são bons ou são maus consoante os resultados e não propriamente consoante a intenção ou consoante aquilo que era o resultado percepcionado na altura da tomada de decisão. Isto acontece porquê? Porque o investidor só pode subir taxas em Lisboa se aumentar o número de passageiros em Lisboa, é a tal regra de bom senso que também foi adicionada. Não só um grupo de aeroportos que se compara com Lisboa para efeitos de competitividade, como há depois aquela outra regra, que é a última regra do modelo de concessão, que é "só sobes se tiveres mais passageiros, porque isso é bom para a economia nacional." E depois os últimos detractores, mesmo despois desta explicação, dizem "Mas não devia ter subido em Lisboa porque isso é prejudicial para a TAP." Isso leva-nos a uma discussão sobre o que é que a ANA e a TAP fazem para fomentar o facto de Lisboa ser um hub e de a TAP ser o principal alimentador do hub de Lisboa. A ANA não pode matar a TAP com taxas, seria aliás estúpido, porque matava o seu próprio negócio e, portanto, a ANA e a TAP estão a trabalhar permanentemente para que haja um equilíbrio entre os interesses económicos em presença. Mas eu queria ir um bocadinho mais longe e falar-vos na espectável privatização da TAP. É, no sector do transporte, o grande activo que temos como objectivo de privatizar em 2015.

O debate tem sido fértil e, como sempre no debate, há argumentos mais racionais e outros mais emocionais. A avaliação que nós fazemos é muito objectiva: a TAP tem de ter uma estrutura de capital para aguentar os dias de chuva e não os dias de sol. A TAP não está neste momento preparada para enfrentar um qualquer choque porque não tem capital para o poder fazer. Temos uma situação singular na Europa, quase única, que é ter uma companhia de bandeira cem por cento pública, com todas as restrições que existem ao financiamento por parte dos estados às companhias aéreas. E, mais uma vez aí, o debate tem sido profusamente marcado pela diferença entre os que decidem com base na realidade e os que decidem com base na utopia. Quem decide com base na realidade sabe o que diz a Comissão Europeia, aliás, aqueles que tinham responsabilidades para decidir em 2010 e em 2001 e em 95 sabiam bem o que dizia a Comissão Europeia, e a coisa não melhorou. É dizer: uma companhia aérea não pode permanecer como está, depois de uma injecção de dinheiro público. Uma injecção de dinheiro público só é aceitável se não houver dinheiro privado para injectar numa empresa. A questão é tão simples quanto isto, é uma questão de concorrência, ou seja, só mediante uma demonstração de que não há privados interessados em entrar no capital de uma companhia é que ela pode ser capitalizada pelo estado, mas a capitalização pelo estado implica uma restruturação profunda da rede e, portanto, dos serviços que são prestados e do impacto que essa companhia tem na economia nacional. O segundo aspecto importante é dizer "porquê agora?". O governo tem pressa em fazer porque quer despachar mais este negócio no fim da legislatura. Não só fazia parte dos planos do anterior governo, nomeadamente nos Packs, mas também do Memorando de Entendimento, mas também do Programa de Governo, mas também da nossa própria mensagem sobre o processo. Porque quando nós tentámos privatizar em 2012 e nos disseram, o mercado disse, que não havia interesse em apresentar uma proposta e cumprir o Caderno de Encargos, nós dissemos no dia a seguir que é nosso propósito que a privatização tenha sucesso até ao fim de uma legislatura, não por teimosia, não por preconceito, mas pela necessidade que nós temos de garantir que a TAP está preparada para todas as contingências que o mercado traga. E ela não está preparada, por exemplo do ponto de vista de tesouraria, para um grande crescimento da concorrência, para uma queda do preço médio dos bilhetes, para um novo choque no preço do petróleo. Porque não se esqueçam, é claro que o preço do petróleo diminui e isso é bom para a TAP, mas o impacto não é directo porque o preço do petróleo implica também uma redução dos proveitos, porque a taxa de combustível deixa de ser cobrada nos termos e que era cobrada até aqui. A redução no preço do petróleo afecta positivamente a TAP, mas também o resto do sector, a concorrência não diminui por causa disso, provavelmente até aumenta. A TAP tem pela frente estes desafios, gostávamos de a deixar preparada para poder responder aos desafios que o mercado continuamente impõe. Porque nós somos um governo que privilegia a abertura do mercado e a concorrência e, por isso, saudamos que a RYANAIR se queira instalar em Portugal com uma nova base, que a easyJET se queira instalar em Portugal com uma nova base, que todas as companhias queiram voar para os Açores num movimento de liberalização do mercado que vai beneficiar muito o turismo açoriano. Se a RYANAIR se quer instalar em Portugal e a easyJET também, então as taxas dos aeroportos são um problema? Eles saem de Espanha e vêm para Portugal para pagar mais?

Sejamos claros e sinceros na abordagem aos problemas: nós temos um sector aeroportuário muito competitivo. Nós temos um sector turístico muito competitivo. O motor da economia portuguesa e do sector do turismo é o sector dos serviços. Queremos continuar a sedimentar a recuperação dos outros sectores, mas isso só é possível se formos coerentes nas políticas e, coerentes nas políticas é, por exemplo, e agora olhando prospectivamente, continuarmos a promover a abertura da economia. Era bom que os principais partidos da oposição dissessem "Se veêm bem a decisão que o governo grego aparentemente já tomou de congelar e, no limite, até tentar reverter algumas privatizações e aberturas no mercado", estamos a assistir já a uma saída de capitais da Grécia e isso não é aquilo que nós desejamos em Portugal. Queremos é que os capitais venham para Portugal e não o contrário, que se assustem com as políticas erráticas que o país tem. Segundo aspecto: é muito importante que a oposição diga de que forma é que acha que vai fazer diferente do que fez no passado, dizendo "Nós precisamos é de investimento público para levar o país por diante". A única forma de materializar as decisões do Banco Central Europeu é um grande programa de investimento público. Onde é que o estado tem espaço orçamental para fazer esse investimento público? Que impostos é que os partidos da oposição querem aumentar para que esse investimento público seja possível?

Nós acreditamos num modelo diferente, acreditamos num modelo em que a abertura da economia trará investimento maioritariamente privado, de alto valor acrescentado. Não é como aqueles investimentos que se instalam em Portugal, que compram noventa e nove por cento da produção para vender cem por cento, porque o valor acrescentado para o país é mínimo, a não ser o emprego que sendo importante, nós queremos que este investimento seja verdadeiramente gerador de valor directo e indirecto no país. Ora, aqui está uma opção política de fundo que nos separa dos principais partidos da oposição. Queremos promover uma economia aberta e competitiva, onde o estado tem uma forte presença na regulação, mas onde reduz a sua presença enquanto accionista. Porque o serviço público não depende da natureza do accionista, depende da força dos reguladores e da qualidade dos parceiros para prestarem esse investimento público. É assim no que diz respeito ao desenvolvimento dos diversos sectores e não é diferente, por exemplo, no sector dos transportes onde queremos que seja um privado a prestar o serviço na área metropolitana do Porto e queremos abrir concurso na área metropolitana de Lisboa e queremos consolidar estes sinais de recuperação que temos. Não queremos voltar à época em que perdíamos duzentos e cinquenta milhões de euros porque um certo membro do governo achava que devia aumentar o número de carreiras ou sobrepor o metro e a carreira ou outra coisa qualquer disparatada como ter bilhetes do metro mais baratos do que o bilhete da Carris como se o investimento em túnel fosse mais barato do que o investimento em estrada que já estava feito. Queremos deixar a arbitrariedade das decisões e queremos um caminho claro de recuperação, para continuarmos a consolidar o caminho precisamos não apenas de manter este compromisso de disciplina e rigor orçamental, mas temos também de manter o compromisso de estabilidade na política fiscal. Todos os empresários querem saber com o que contam e não é aceitável que o acordo para a redução da taxa de imposto sobre empresas que foi firmado entre os principais partidos, há pouquíssimo tempo, esteja já a ser desafiado e posto em causa. Que imagem do país é esta, em que a progressiva redução do IRC está, em teoria, ameaçada pelo facto do principal partido da oposição querer rever esse acordo, deixando de o honrar. Não é essa a imagem do país que nós queremos oferecer e voltamos a ter aqui uma oportunidade de nos afirmarmos pela positiva. E, se quiserem, o grande mérito do debate que, neste momento, existe na Europa clarifica as águas no que diz respeito às opções. Primeiro era a proposta que vinha de França, que era a "austeridade boa", por oposição à nossa que é punitiva e que castiga toda a gente. Ora, essa ilusão já desapareceu, vamos ver se outras ilusões se mantêm ou desaparecem. Para nós o caminho é simples: é o rigor orçamental. E se há algum mérito, também a decisão do Banco Central Europeu recentemente foi a de pôr mais uma vez em confronto aqueles que acham que o dinheiro que vai entrar através dos bancos na economia deve ser canalizado, sobretudo, para a iniciativa privada, para bons projectos, criando os governos condições para que haja estabilidade fiscal e de condições de investimento, ou os partidários, que já apareceram muitos, no tal investimento público. Quanto é que o investimento público nos permitiu crescer nos primeiros dez anos do século vinte-e-um? Nem um por cento ao ano em média. E é bom que ponhamos esses argumentos em confronto porque é disto que nós temos de tratar com rigor e com propostas concretas no acto eleitoral que se avizinha. Porque as reformas estruturais e as privatizações são apenas uma parte do trabalho que nós temos ainda pela frente, temos de as aprofundar, temos de mudar a cultura que já se começa a sentir nos nossos jovens. Não apenas os nossos jovens sentem que o estado já não é o sitio ideal ou o sitio primeiro para se procurar estabilidade de emprego, querem é montar o seu próprio negocio, querem é iniciativa e condições para que essa iniciativa floresça, querem basicamente que o estado saia da frente, que lhes reduza os entraves ao desenvolvimento. Mas temos ainda uma segunda componente para os nossos jovens, que é dar-lhes as qualificações certas, aquelas que são necessárias no mercado de trabalho. Muitos empresários diziam exactamente isso: "nós temos uma percentagem de jovens licenciados muito grande mas a qualificação que nós precisamos não está no mercado. Precisamos de engenheiros, de certos engenheiros, e não há." Há muitos sociólogos, etc. Eu não quero particularizar nada, todos são necessários, mas tenhamos todos consciência que o país precisa de seguir o modelo que deu sucesso e que está em implementação no nosso país: o modelo de ensino dual em que há uma aproximação entre as universidades e a vida profissional. As decisões têm de ser tomadas em consciência e com um espaço de previsibilidade na escolha das opções académicas de cada um.

Queremos, de facto, que a transformação estrutural do país se consolide no próximo ciclo de quatro anos. É muito importante para o país que assim seja, porque isso permitirá definitivamente baixar impostos para as famílias e para as empresas, aumentar a justiça na oportunidade e na distribuição de rendimentos, nas oportunidades de emprego, nas oportunidades de investimento e na distribuição de rendimentos e permitirá ter o tal país respirável que eu acho que genuinamente todos reconhecem que existe em 2015 por comparação com o ar relativamente irrespirável que se vivia em 2010 e em 2011. Esse é um dos grandes marcos que queremos deixar, é a matriz da nossa acção enquanto governo e é o desejo que temos nesta recta final do nosso mandato, sem nunca esquecer o princípio de que todas as reformas e as políticas sectoriais têm como princípio e fim a pessoa e as reformas e os sectores são um meio para melhorarmos a vida das pessoas.

 Transcrição de Sérgio Silva Monteiro (*)