TEMAS
POLÍTICA
"O Impacto das campanhas e sondagens nos actos eleitorais" (*)

Não conheço ninguém, seja na academia que estuda estas coisas, seja nos meus contactos com pessoas na vida política, que ache que as sondagens não têm efeito. Toda a gente acha que têm efeito. Depois há uma segunda fase em que estes dois mundos divergem, porque a maior parte das pessoas que eu conheço ligadas à política sentem que sabem qual é esse efeito, enquanto que a maior parte das pessoas ligadas à academia assume que não faz a mínima ideia de qual é esse efeito, sabe que ele existe mas não há uma boa teoria sobre porque é que existe, em que circunstâncias existe e sobre quem é que existe. Eu vinha falar desta segunda parte, tentar explicar porque é que quem estuda e se interessa por estas coisas do ponto de vista do investigador, do académico, porque é que tem tantas dificuldades em identificar que efeitos são estes, em que direcção existem, qual a sua magnitude e em que circunstâncias é que aparecem. Queria vir aqui confessar a nossa impotência perante este problema e explicar porque é que ela existe.
A primeira dificuldade começa logo na própria definição do que é um efeito, do que é que estamos à espera de encontrar e quando é que podemos dizer que ele existe; um efeito nas sondagens é algo que se encontra na presença de sondagens e que não ocorreria na sua ausência. O problema é que a diferença entre uma condição e a outra é que se estuda muito bem num clima de investigação de um medicamento qualquer, por exemplo, mas, na realidade que estamos a estudar, esta experiência controlada, não sendo impossível, é extremamente difícil para conseguirmos dizer que esse efeito existe. O efeito das sondagens é a diferença entre o que verificamos quando as sondagens existem e aquilo que verificamos quando as sondagens não existem e a segunda parte é aquilo que nós chamamos de contrafactual, não observamos. Podemos contornar isto, comparando as eleições com ou sem sondagens ou comparando pessoas dispostas às sondagens e pessoas que não o são.
O problema que permanece é que, como estamos a falar de um estudo experimental, do teste do tal fármaco, fica sempre a dúvida de saber se a diferença que detectei se deve à presença ou ausência da sondagem ou se deve a outra coisa qualquer que eu não tomei em conta. Este é o primeiro desafio que se coloca a todas as pessoas que fazem investigação nas ciências sociais, identificar um efeito causal, que neste caso é particularmente difícil.
Não basta olharmos para a realidade de uma eleição, imaginarmos que as sondagens poderiam ou deveriam ter aquele efeito, vê-lo manifestado e dizermos, cá está, isto foi por causa das sondagens, isso não basta para quem faz investigação, para quem faz investigação é preciso identificar que aquilo se deve à existência de sondagens. Isso é muito mais difícil de fazer do que ter opinião sobre o assunto, mas que não corresponde ao padrão que quem faz investigação aplica àquilo que quer detectar e às conclusões a que quer chegar.
A segunda dificuldade tem a ver com as sondagens, as sondagens dão imensa informação, dão-nos informação sobre a intenção de voto e esse no fundo é o produto mais comum. O que é mais relevante nas sondagens que conhecemos até agora sobre as eleições presidenciais, é o facto de haver um candidato que vai à frente, de haver dois candidatos que parecem empatados, de as intenções de voto terem subido desta ou daquela forma. O que é que foi mais importante nas sondagens das legislativas? Foi o facto de, de repente, aparecer à frente a coligação? Foi o facto de o Bloco de Esquerda aparecer à frente do PCP? As sondagens dão muita informação e ao darem essa informação nós temos de perceber do que é que estamos a falar. O que é suposto de produzir um efeito, porque a sondagem é uma grande quantidade de informação seja do ponto de vista do momento, do retrato que fornece, seja também do ponto de vista da evolução, e uma e outra coisa podem gerar expectativas sobre os efeitos.
As sondagens são muitas e não dizem todas a mesma coisa, nas duas sondagens que se conhecem sobre as presidenciais, uma delas diz que há um candidato que tem 64% das intenções de voto e outra diz que tem 48%; quando nós dizemos que as sondagens afectam o comportamento eleitoral, quais delas? Uma, a outra, as duas? Qual é o sinal no meio de todo este ruído? E o problema aumenta quando nos apercebemos que nem toda a gente recebe o mesmo sinal, os leitores do Correio da Manhã se não estiverem muito atentos acham que o candidato Marcelo Rebelo de Sousa vai ganhar na primeira volta, sem dúvida, com 64% dos votos, os leitores do Expresso provavelmente acham uma coisa diferente. Um novo problema que se levanta, que efeitos produzem as sondagens, é uma pergunta que de alguma forma presume que o sinal enviado pelas sondagens é um sinal claro, unívoco, consensual e igual para todos, e isso não é verdade. Quem queira detectar os efeitos, vai ter de se pôr do ponto de vista do eleitor e perceber a que sinal concreto é que ele esteve exposto.
Uma coisa são as sondagens, outra coisa é aquilo que os meios de comunicação social dizem sobre as sondagens e isso são coisas completamente diferentes, eu tenho uma luta quotidiana, da qual estou quase a desistir, que é contra aquelas notícias que dizem que o candidato A ou B subiu 0,7% nas sondagens, a minha luta é dizer que isto não tem significado estatístico, e no entanto a notícia está lá e a mensagem está enviada. Eu penso que a maior parte de nós terá de reconhecer que a maior parte das pessoas que consome esta informação pode não ter o discernimento para perceber se essa afirmação, essa coisa que foi dita tem significado ou não. Este é o último aspecto desta dificuldade do lado das sondagens, não é apenas de qualquer sondagem que envia múltiplas informações, todas elas potencialmente relevantes, não é apenas o facto de haver várias sondagens e a terceira coisa é a seguinte: uma coisa são as sondagens, outra coisa é o que sobre elas se diz numa grande quantidade de casos. Era uma das coisas mais complicadas que eu tinha na relação com os nossos clientes quando trabalhava na Católica, eles queriam uma notícia, mas a sondagem não tinha uma notícia, a sondagem dizia que estava tudo igual ao que era na sondagem anterior, e isto é extremamente frustrante porque eles pagaram por ela, querem produzir notícias sobre ela, e a notícia ser que está tudo igual é doloroso para os directores do jornais.
Assim temos três ordens de dificuldades, a primeira é a identificação do efeito causal, a segunda, a causa, de que é que falamos quando falamos da causa e a terceira, e é precisamente sobre esta que me vou debruçar pouco mais em seguida, sobre os efeitos, que tipo de efeitos.
Quando pensamos nos efeitos das sondagens temos na nossa cabeça um modelo de comunicação muito simplista, as pessoas não sabem nada ou têm as suas ideias, de repente aparece a sondagem e vêm que este vai à frente e por isso, como gostam dele, como ele vai à frente, vão automaticamente aderir ao que vai à frente. As pessoas são assim, não pensam muito, não têm predisposições nem expectativas prévias e movem-se por uma espécie de efeito de contágio, em que, quando ouvem uma informação qualquer sobre alguém que é preferido pelos seus concidadãos, movem-se todos como carneiros, esta é uma descrição caricatural mas que corresponde muitas vezes à nossa ideia sobre como é que as sondagens devem actuar sobre as pessoas e que tipo de efeitos devem produzir. Na verdade este modelo não é completamente destituído de algum sentido. Há uma experiência em psicologia social em que alguém chega com um recipiente com grãos de arroz, põe o recipiente em cima de mesa e pergunta à primeira pessoa que está ao lado quantos grãos de arroz acha que estão aqui, a pessoa dá um palpite e os seguintes continuam a dar palpites; não ficarão surpreendidos se vos disser que esse primeiro palpite raramente tem alguma coisa a ver com o número de grãos de arroz que lá está, mas outra coisa que é interessante é que todos os palpites dos seguintes estão condicionados pelo primeiro. Outro ensaio é feito numa sala escura, faz-se um movimento de luz e a primeira pessoa que dá opinião é um comparsa do experimentador e diz que isto se moveu desta e daquela maneira, os que estão a seguir concordam todos, porque como as pessoas não percebem o que está a acontecer, seguem uma pista. A psicologia social mostra que em geral as pessoas, quando há algo sobre a qual não têm informação, quando recebem um estímulo tendem a aderir a esse estímulo e tendem a mudar as suas percepções e as suas avaliações com base nesse primeiro estímulo. A experiência mais próxima que nos interessa neste contexto, por exemplo, pega-se num grupo de estudantes universitários, aleatoriamente são separados em dois grupos, a uns mostram-se umas notícias com um resultado fictício e a outros dão-se outros resultados e por vezes até há um grupo de controlo a que não mostram nenhumas sondagens; depois quando as pessoas são questionadas sobre as suas opiniões e em quem votariam as pessoas são sensíveis a este estímulo, tendem a aderir a quem vai a frente. Há bases psicológicas sólidas para este efeito de Bandwagon. Esse efeito existe nas experiências, mas as experiências são realizadas num contexto completamente artificial, um contexto em que se está a presumir que as pessoas não são expostas a mais nenhum estímulo nem a estímulos contraditórios, estão ali sentadas numa sala, passa o noticiário e depois aparece o inquérito. Quando tentamos reproduzir este efeito com dados observacionais, ou seja dados não da manipulação experimental mas dados com base num inquérito, isto é perguntar às pessoas quem é achavam que ia ganhar, se estavam expostos a sondagens, tentar relacionar quem ia à frente com o comportamento de voto das pessoas, este efeito desaparece; e o nosso dilema é que no primeiro caso temos uma enorme validade interna, a experiência dá-nos um controlo enorme sobre o que é causa e o que é efeito mas temos uma baixa validade externa, aquela conclusão que temos ali dificilmente pode ser extrapolada para outros estudos, nos outros estudos temos o contrário, um contexto muito mais realista, tenho as pessoas inseridas no seu meio social, mas eu não detecto efeitos. Porquê? Porque de facto não tem efeitos, ou porque eu não estou a tomar em conta todos os factores que podem levar a uma mudança de opinião? Este é um dos dilemas que temos.
Como este efeito de contágio gera este dilema, as pessoas procuraram outros efeitos e procuram um efeito que geralmente se chama efeito estratégico das sondagens. Imaginem no sistema inglês, por exemplo, que é um sistema maioritário em que o candidato que tem mais votos é o candidato eleito; se eu for simpatizante dos Lib Dems, mas com sacrifício ainda voto no partido conservador e detesto o partido trabalhista. Se a sondagem me disser que não há hipótese de eu eleger o meu candidato e que há um risco do trabalhista ser eleito, eu voto conservador e é muito por aqui que se têm procurado os efeitos das sondagens, não do ponto de vista até um pouco ingénuo do contágio, mas do ponto de vista de como as sondagens podem dar informação que eu uso para no fundo dar mais utilidade ao meu voto, para não desperdiçar o meu voto. Esta ideia de que a percepção de que um partido tem maus resultados nas sondagens, a investigação mostra que há uma tendência para abandonar esse partido em favor de um partido que tem mais hipóteses.
O problema é que este efeito está fortemente demonstrado em sistemas maioritários, mas para os sistemas proporcionais os resultados são muito contraditórios; nos sistemas proporcionais existe menos esta ideia do voto desperdiçado, apesar de também existir nos círculos pequenos; os sistemas proporcionais são menos favoráveis a este raciocínio estratégico e ainda por cima produzem outro tipo de efeito, tem-se mostrado que até podem ser contraditórios com isto. Por exemplo, nas eleições presidenciais com um presidente em exercício que é candidato, as sondagens dão sempre maior vantagem ao presidente em exercício. Porque será? No primeiro caso tínhamos um efeito em que um partido ou um candidato tem maus resultados e as pessoas abandonam-no em favor de um voto estratégico, beneficiando um grande candidato ou um grande partido, mas aqui temos um efeito contrário, como as sondagens indicam uma grande vantagem num partido ou candidato, as pessoas passam a pensar na utilidade ou na produtividade do seu voto, por isso desmobilizam-se. A causa parece a mesma: são as sondagens, dão a mesma informação e no entanto os efeitos são contraditórios.
Quando cruzamos estes efeitos as sondagens acabaram por beneficiar quem? O melhor que se pode dizer é que depende e mesmo isso não se pode dizer sempre, porque nem sequer se consegue identificar quem é que foi afectado por quem, e como, e em que sentido e com que magnitude.
A evidência de que as sondagens mudam preferências e avaliações é muito limitada a estudos experimentais em contextos artificiais, estes efeitos estratégicos parecem existir mas não prevalecem em todos os contextos e situações e geram movimentos contraditórios, esta é a primeira conclusão sobre a investigação das sondagens que queria dar.
Este modelo de que por um lado temos sondagens, do outro lado temos os eleitores e temos resultados e as pessoas são influenciadas e mudam a sua opinião, é um modelo ingénuo, há dois outros mecanismos através dos quais as sondagens produzem potencialmente efeitos. As sondagens afectam os eleitores indirectamente porque afectam os partidos, más sondagens afectam a capacidade de mobilização do partido, afectam a estabilidade da liderança, a sua credibilidade e o seu apoio dentro do partido. Nos Estados Unidos, uma má sondagem para um candidato condena o financiamento desse candidato, condena a sua campanha. É evidente que isto influencia as eleições, mas não porque as pessoas estão a ser influenciadas directamente pelos resultados das sondagens, influencia as eleições porque afecta a capacidade de mobilização dos partidos e a estabilidade da sua liderança e em muitos casos os seus próprios recursos para fazer uma campanha. E por isso, quando se quer estudar os efeitos das sondagens não se pode apenas entrevistar as pessoas todas e fazer um inquérito com perguntas dos género: "Com que frequência é que viu as sondagens?", etc. Mesmo que se façam estes inquéritos com todo o financiamento necessário, estes inquéritos não vão ter em conta o efeito de condicionante das sondagens nos partidos. As sondagens afectam as eleições não apenas no canal directo com as pessoas mas também no canal indirecto através da maneira como afectam a capacidade de mobilização dos partidos.
Quando começaram a aparecer as sondagens que davam a coligação à frente das eleições e quando foram confirmadas com o tempo, o que mudou não foram apenas as expectativas das pessoas, não foi apenas presumivelmente a capacidade que o Partido Socialista teve para mobilizar as suas massas, mudou a cobertura da campanha. A partir desse momento, a cobertura centrou-se em alguém que passou a ser o derrotado antes das eleições, é impossível de imaginar que a mudança do tom da cobertura mediática de uma campanha não tenha influência sobre as pessoas e nas eleições, não é um efeito directo das sondagens, é um efeito que se verifica através do intermediário da informação que é a comunicação social.
É muito difícil mostrar com rigor os efeitos das sondagens, porque são múltiplos os mecanismos possíveis através dos quais elas podem influenciar os eleitores, porque as direcções em que podem afectar as eleições são múltiplas também e finalmente porque não podemos esquecer que muitos destes efeitos não são efeitos directos da exposição à informação, são efeitos mediados e intermediados por outros factores, isto torna muito difícil que se consiga estimar com exactidão se esta sondagem naquele momento produziu aquele resultado. No discurso político, quem fala sobre sondagens tem de falar para defender a sua organização, os seus valores e os seus interesses, é por isso que, se bem que todos estejamos conscientes da existência desses efeitos, é completamente implausível que eles não existam, é por isso também que a certa altura os discursos entram em divergência e por um lado há quem saiba que efeitos é que teve em que circunstância, e pelo nosso lado, confesso, um dos problemas mais difíceis é poder estimar quando, em que circunstâncias, em que contextos e em que direcção é que as sondagens produzem efeitos no comportamento eleitoral. É como as bruxas, eles existem, todos concordam e existem imensos artigos que o dizem, mas quando pegamos nesta massa de artigos e olhamos para eles, verificamos que são eleições diferentes, são contextos diferentes, são efeitos em direcções opostas e através de mecanismos diferentes e é isso que torna difícil fornecer uma teoria acabada sobre que efeitos é que as sondagens produzem, acho que ninguém em rigor sabe.
Transcrição da palestra de Pedro Magalhães (*)