TEMAS
POLÍTICA
"O que se entende por Serviço Publico de Televisão" (*)

Há um novo sistema de governo para a RTP, é um modelo que dá mais estabilidade, autonomia, mais graus de liberdade e está mais imune ao poder político e, nesse aspecto, defende a RTP e torna-a mais forte. É um modelo que encoraja a RTP a seguir um caminho próprio, claro e distintivo, que é aliás a sua obrigação.
Sobre esse modelo temos em primeiro lugar o financiamento, pode-se sempre discutir o bolo que a RTP tem, mas o modelo actual é um modelo muito estável e muito previsível, ou seja a RTP deixou de receber as indemnizações compensatórias, já não existe participação directa do estado anualmente, e a RTP passa a receber a contribuição do audiovisual que representa até 80% da sua base de custos. Para os outros 20% a RTP deve garantir as suas lógicas comerciais, nunca esquecendo que a lógica comercial não se deve sobrepor à lógica de serviço público.
Em segundo lugar foi a constituição de um órgão de supervisão e fiscalização, o Conselho Geral Independente, que corresponde às boas práticas europeias. Este modelo de existência de um órgão com a obrigação de acompanhar e fiscalizar a gestão da RTP e o cumprimento dos objectivos do contracto de concessão e que é um órgão que nomeia a administração é um grande ganho de civilização. Nos modelos anteriores as administrações eram sempre escolhidas pelos governos.
Sempre que há mudança existem reacções e alguma resistência, mas é preciso deixar o modelo consolidar e o modelo de ter uma administração que não é nomeada pelo governo não volta para trás e isso é uma garantia para a RTP.
Outra mudança concreta, e os resultados estão à vista, é que esta administração, de acordo com os estatutos, teve de apresentar um projecto estratégico. Isso é bastante importante, porque esse manifesto de intenções é algo que compromete a administração e dá um enquadramento de previsibilidade e responsabilidade à gestão e também um norte para a empresa.
Os princípios do projecto estratégico da actual administração têm três eixos base. O primeiro é uma orientação clara para serviço público, o segundo é uma aposta muito forte nas novas plataformas e no multi-media e o terceiro eixo é o tema de eficiência económica e do equilíbrio empresarial.
Quanto ao primeiro eixo, que parece óbvio mas o histórico da RTP mostra que não é, a RTP já teve muitas derivas comerciais e a administração diz claramente que desta vez quer orientar a RTP para uma programação de qualidade e de referência, para um patamar que seja distinto do patamar dos operadores privados e que acrescente alguma coisa ao panorama audiovisual. Quanto mais esse posicionamento for definido, ao contrário do que possa parecer, mais irá fortalecer a RTP. A RTP tem de ser activa no estímulo de produção audiovisual em Portugal. A lógica de programação deve ter objectivos de qualidade e de nível e não objectivos comerciais, a área comercial deve ser subsidiária, e essa é uma posição que as administrações não assumiram de maneira tão assertiva.
O segundo eixo é essencial para a RTP e vai ser essa aposta que irá assegurar a relevância da RTP no futuro. Nesta altura há muita oferta e os estudos demonstram que sempre que há acontecimentos de carácter informativo relevantes no panorama nacional e internacional, o telejornal da RTP sobe de audiências. As pessoas têm acesso a muita informação, mas querem alguém com critério que as ajude a explicar e a interpretar o mundo. Se forem feitas apostas fortes e ponderadas em termos de online e de novas plataformas é possível resolver um dos problemas históricos da RTP, o do público envelhecido da RTP. O tema das novas plataformas pode ser muito relevante para a RTP no tema dos arquivos, nas novas plataformas tem muito mais potencial a valorização dos arquivos da RTP. Todos os meios estão a colocar uma agenda enorme no online, quem não perceber isto não está a garantir uma estratégia futura.
O terceiro pilar, é um tema muito relevante, actualmente a agenda da administração é equilibrada, mas o tema da eficiência empresarial também tem que estar presente. O ponto de honra é que os custos operacionais encaixem nas receitas operacionais, a contribuição do audiovisual e as receitas comerciais que a RTP explora, conseguindo assim assegurar que não há um défice operacional e que o accionista Estado não é obrigado a contribuir com fundos adicionais. Para o conseguir têm de ser executadas uma série de políticas mas o tema fundamental é o equilíbrio operacional.
A RTP ser um serviço público de qualidade e diferenciador é compatível com ser relevante e ter equilíbrio económico. Historicamente diz-se que se a RTP fizer as coisas com qualidade e num determinado padrão então não será relevante, mas se as fizer com uma certa excelência não irá ter equilíbrio económico. Isso não faz sentido. Esses objectivos são perfeitamente conciliáveis, actuando nestes três eixos é possível reconciliar a RTP com o seu desígnio histórico, que não é ser um operador comercial, mas sim um operador restritivo, e também reconciliar-se com os públicos para que as pessoas atribuam uma certa identidade à RTP; dentro da RTP está um valor inestimável. A existência da RTP enquanto operador de serviço público distintivo não gera dúvidas e o trabalho da administração é fazer com que a RTP seja uma realidade cada vez mais inquestionável.
Transcrição da palestra de Gonçalo Reis (*)